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sexta-feira, 30 de março de 2012

OS ARIZONAS – BLUE BAND



(publicado no jornal Zero Hora de Porto Alegre-RS, ed. de 20/04/2012)


(fotos: Ricardo, arquivo pessoal)


Nos anos setenta, no bairro Tristeza em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, existia uma banda de nome Os Arizona - Blue Band. Era formada por seis rapazes: o Renan, o Ricardo, o Lota, o Marquinhos apelidado de Seco pela magreza escandalosa e o Adalberto, o Facada na Garganta, cantor oficial do grupo. O apelido foi dado pelo Renan, devido ao timbre de voz que, ao alcançar agudos, saltavam-lhe veias do pescoço, formando uma hidrografia.
O conjunto musical tocava em clubes da zona sul, em reuniões dançantes ou alguma garagem desde que juntasse mais de cinco pessoas na platéia, houvesse cachaça e garotas. E bebiam tudo oferecido ou tomavam a bebida que levavam. Os ensaios eram realizados diariamente, em um galpão cedido pela Lori, proprietária do Armazém Veranópolis, fã de carteirinha, localizado no cruzamento das ruas Mário Totta e Wenceslau Escobar. Ali aconteceu a transformação em músicos, da gurizada recém saída das brincadeiras de carrinhos de rolimã. Enfrentavam a vizinhança que reclamavam da altura dos instrumentos que incapacitavam a comunicação dentro das casas. Até então inexistia a lei do silêncio vinda para proteger o sossego dos silenciosos e sossegar os talentos em ascensão.
Meus interesses eram outros, além de não tocar nenhum instrumento. Só pensava em ganhar algum troco para assistir as matinês no cine Gioconda aos domingos, onde podia comprar e vender gibis. Durante a semana, nas tardes, ajudava o primo Luis Carlos que montara uma fábrica de argamassa em um terreno baldio na esquina da Landell de Moura com a Wenceslau Escobar. Ao final do trabalho, passava pelo galpão musical do Veranópolis para tomar uns goles de caipirinha e comer churrasco. Depois ia para casa devorar obras de Monteiro Lobato, Mark Twain e Machado de Assis, graças a exigente professora de Português do Padre Réus.
No auge da fama, a banda foi contratada pelos organizadores do Festival do Chope, evento que acontecia anualmente no parque de exposições do Menino Deus, na Avenida Getúlio Vargas. O Festival, puramente etílico, oferecia oportunidade a músicos, que se apresentavam cerca de uma hora cada. Após o sorteio, Os Arizonas foram confirmados para apresentação as sete da noite. No final da tarde, os músicos chegaram com os instrumentos e as roupas. Instalaram tudo, testaram, vestiram-se e esperavam o horário, quando souberam do remanejamento da apresentação para as vinte e três horas, o que garantiria um público maior.
O presidente da comissão organizadora encarregou-se pessoalmente de refazer a grade horária, avisar as bandas e alertar os Arizona que o bar estava aberto para eles, com direito a comes e bebes. Os organizadores deveriam ter considerado o comentário do Renan quando soube da mudança de horário e da liberação do bar ao grupo:
- Não vai prestar. Bar aberto e comida a vontade, hummmmmm - E repetiu, – não vai prestar.
Imediatamente o grupo se transferiu para o bar e a frase do Renan fez sentido. Era tarde. O presidente só entendeu o comentário às onze da noite quando os músicos subiram ao palco. Haviam entornado todas e pareciam caricatos dos rapazes com calças boca de sino da chegada. A aparência nem de longe lembrava os rapazes aprumados, tal a desordem da roupa amassada e suja.
Mas o pior estava por vir. No reboque da descompostura geral, a altura do som. Os equipamentos, de alta potência acústica, colocados no volume máximo garantiram que toda a festa e as cercanias da Avenida Ipiranga até o quartel do CPORPA, no fim da José de Alencar ouvissem o desempenho da banda, como se estivessem nas cercanias. O baixo do Renan ao ser dedilhado provocava desespero na comissão organizadora que gesticulava braços desesperados para baixar o volume. A banda interpretava os acenos como aprovação e continuavam a bramir os instrumentos ainda mais alto.
Seco, tocava a bateria com tanta paixão e compenetrado que continuou a bater as batutas no ar, mesmo após o instrumento ser violentamente arrebatado pelo Lota que tropeçou, espalhou as peças em cima do público fascinado e por fim derramou o copo de uísque no teclado, inundando as teclas. Os amplificadores a todo volume abafavam o clamor do público e nem se compreendia se vaiava ou ovacionava. Enquanto isso a banda apresentava a estridente goela do Facada na Garganta, anestesiada pelo uísque.
Ao término da apresentação, o público gritava e pedia bis, mas a banda estava impossibilitada de atender. Os guris foram retirados estrategicamente pelos seguranças. Voltaram dois dias depois, recolheram os instrumentos para conserto e passaram no caixa para receber.
Entenda-se que a banda teve inúmeras apresentações bem sucedidas. Aliás, esta foi muito bem sucedida na visão do público, não muito para os organizadores. Penso que poderiam seguir a carreira musical, não fosse a pressão social e familiar, afinal naqueles tempos, músicos eram tratados na margem social. Hoje os tempos são outros.
Nas andanças por Porto Alegre, encontrei o Renan, um dos integrantes, que hoje trabalha numa oficina mecânica na Oscar Pereira e deu notícias sobre o destino deles. Confirmou que aquela foi a primeira e última apresentação no Festival do Chope. Na sequência, os Arizonas ainda tocaram por três anos, fazendo a última aparição em público no Tristezense.


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