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segunda-feira, 4 de junho de 2012

BOLO DE CHOCOLATE

(Google Imagens)

Inês entrelaçou os braços nos irmãos e foram à sala assistir ao programa de domingo. A mãe permaneceu na cozinha preparando o bolo de chocolate para o lanche da tarde, hábito deixado pelo pai, que ela nunca acertava o ponto.
– Já comprei as passagens. Vamos passar o aniversário de 50 anos com o pai em São Paulo – cochichou aos dois, enquanto sentavam em frente a tevê.
Filhos de pais separados há cerca de dez anos, atualmente o genitor morava na capital paulista com a nova mulher.

– Aff Inês, você conhece a mãe, não gostará nenhum pouquinho – André era o mais solidário a genitora.
Depois da separação, alimentou mágoa do tamanho da Torre de Televisão de Brasília. Julgava-se prejudicada por cuidar dos filhos, um fardo pesado para mulher só. Afastou-os o que pode do pai, buscando oportunidades de usá-los para vingar “a humilhação sofrida”. Da última vez que tentaram aproximar do genitor, ouviram ameaça de suicídio e acusação de ingratidão. Aproveitava para jogar pitadinhas de veneno na imaginação filial,
– A pensão que paga mal dá para comer – mentia descaradamente. Era a imagem do desconsolo.
– Lembra o que fez quando fomos visitar papai há alguns anos? – Comenta André, o mais novo – Se jogou na frente de um ônibus.
– Tá na cara que não pretendia se matar. Machucou apenas porque um ciclista estava de carona e a pegou de raspão – defendeu Inês que adorava o pai, mesmo com os defeitos que a mulher atribuía.
A filha a conhecia bem. Era destemperada, rancorosa e vingativa. Quando discutiam, Inês desmascarava,
– Você depositou a culpa da sua infelicidade nas costas do pai, quem aguenta isto, mãe? Ele abandonou foi você e não os filhos – E acrescenta – Sempre manteve contato com a gente.
Inês estava de malas prontas, mas os irmãos, reticentes, ainda buscavam desculpa convincente para não melindrar a mãe.
Mais alguns dias e a moça atende telefonema destemperado da genitora.
– Então quer levar os irmãos para visitar teu pai, filha ingrata, mesmo depois do que fez contra nós. Ele só soube fazer o bem bom, sustentar e amassar o pão para comer foi eu que fiz. Pois se quiser ir, que vá, mas esquece teus irmãos, senão........ - e deixou em aberto a ameaça.
Inês entendeu a intenção da mãe. Era capaz de tudo para impedir a aproximação. Considerava os filhos só dela. Passou a duvidar que viajassem.
Tinha razão. Dias depois Marcelo liga para a irmã.
– Mana, André e eu não vamos. – Explicou rispidamente – Tenho receio que mamãe cometa uma loucura e a gente fique preso na consciência.
A mãe usara mais uma vez os argumentos suicidas com os filhos.
– Ela se aproveita Marcelo. Isto é chantagem e estão embarcando na conversa – Inês argumenta sem convicção.
– Pelo menos eu, não vou. Está decidido e nem ligue mais. Só para falar outro assunto.
Se Marcelo assim pensava, André nem valia a pena tentar, era genioso igual à mãe.
Desconsolada, Inês procura a loja de turismo para vender as passagens, mas no caminho recebe novo telefonema do irmão, desta vez agitado
– Mamãe acabou de ir para o hospital. Estávamos falando sobre a viagem a Sampa, quando reclamou de forte dor de cabeça e desmaiou. Chamei a ambulância.
Inês desvia o trajeto do carro e chega esbaforida ao hospital conveniado. Ao ver a mãe entubada e pálida, percebe a gravidade.  O médico se aproxima dos irmãos e desfia o diagnóstico com a realidade e clareza que só eles tem nestas horas.
– Jovens, sou neurologista. A mãe de vocês teve um AVC e está com sequelas. Por enquanto, apresenta dificuldades de falar e mente confusa. Só poderemos avaliar daqui a uma semana. Por enquanto é isto. Sem previsão de alta. As visitas estão suspensas, pois só farão piorar a situação.
Após ouvirem os esclarecimentos, sentam no banco da enfermaria, perdidos em mundos imaginários. 
Percebendo os irmãos calados, a mãe naquele estado e avaliando o diagnóstico do médico, Inês pega o celular e decidida, liga para Sampa.
– Pai, surpresa – e, olhando os irmãos – Iremos os três no sábado. Prepara aquele bolo de chocolate.

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