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terça-feira, 22 de outubro de 2013

SEMPRE HÁ SAÍDA

(Foto cedida de arquivo pessoal de Elaine)
Enquanto observa o filho casando aos 37 anos, Elaine rememora a própria vida. Consulta o relógio. Dezenove horas e trinta minutos. Os convidados levantam e a noiva entra na igreja ao som de cornetas e da marcha nupcial.
Elaine recorda a infância pobre no interior do Paraná quando ajudava a mãe, sendo babá dos irmãos desde os sete. Brincava de bonecas com os bebes recém-nascidos gerados um a cada ano. Mais velha entre nove irmãos, ficou órfã cedo. Aos dezesseis presenciou a mãe morrer no parto da caçula e o pai, sem condições de sustentar a recém-nascida, a deu ao médico. Quando a máquina da existência parecia azeitada para funcionar, o pai casa novamente e inicia a segunda família e seguem as mudanças radicais. Com a casa cheia de crianças, a madrasta passa a maltratar a prole do pai. Os conhecidos da família, enternecidos pela sorte das crianças, se oferecem para criá-los e cada um é entregue a uma família. Por fim Elaine e os dois menores saem também da casa e vão morar com a avó materna. O pai teve quatro filhos com a madrasta e, ao vir o último, não havia nenhum da primeira mulher a morar na casa.
A noiva segue a passarela no corredor central da Igreja Matriz do Paranoá enquanto os pensamentos de Elaine fervilham com as lembranças do longo caminho trilhado até este momento de alegria. Agora, casa o filho mais novo, e os pensamentos estão em Sérgio, o mais velho a dormir em casa sob efeito de pesada medicação.
Aos vinte e um, a gaúcha natural de Soledade no Rio Grande do Sul, conhece o homem que viria a ser o pai de Sérgio, o primeiro filho. Nesta época, Elaine idealizava a família, mal sabia que estava para começar a saga. Aquele que carregava na barriga, gerado com amor e a quem cantava canções de ninar, sofreria os primeiros maus tratos. Diariamente o pai chegava a casa embriagado. Certo dia, sob efeito da bebida, sacou da arma e descarregou-a na mulher no oitavo mês de gravidez tentando acertá-la. Errou os tiros, mas acertou o emocional. Insatisfeito, desferiu vários socos em seu rosto. Os maus tratos, sem cuidados médicos, acredita Elaine, ocasionaram a doença do filho. Ao nascer, a criança foi diagnosticada com falta de oxigenação cerebral. Sofreu desvio neurológico grave. Elaine inicia a peregrinação por médicos e hospitais na tentativa de amenizar os sintomas. A enfermidade estava longe de ser solucionada e Elaine, abandonada pelo marido, segue a busca por tratamento, sem abandonar a luta da sobrevivência, agora só com Sérgio.
Gláucio, o caçula, aguarda a noiva que entra devagar no templo, Visivelmente nervosa, faz longas e profundas aspirações e expirações. Elaine percebe o estado da nora e, ao trocarem olhares, procura passar sorriso doce e confiante. A noiva entende o recado, suspira profundamente e acalma. Segue rumo ao noivo que a espera radiante. Os dois se beijam, dão-se os braços e se viram ao altar. Ao sinal do padre todos sentam e inicia a cerimônia. O casamento é um grande momento para a gaúcha. É filho do mesmo homem que a maltratou.
Admite amar muito o segundo filho, sempre compreensivo e carinhoso com Sérgio. Lembra-se das circunstâncias do nascimento. Abandonada pelo marido, ainda grávida de Sérgio, após alguns anos ele implora para voltar. Ela tem medo, mas a pressão familiar é grande aceita. Logo percebe que nada mudara naquele homem. Continuava alcoólatra, violento e cruel. Fica grávida do segundo e entende que tudo se repetirá. Porém, desta vez o homem age diferente. Reconhece o comportamento violento e as atitudes que causam sofrimento. Sente-se aquém da mulher que o tirou da lama pela segunda vez, arruma as malas e some, desta vez, sem paradeiro. Reaparece anos mais tarde, doente do corpo e da mente. Gláucio recebe o recado que quer vê-lo e, ao atendê-lo, ouve do pai no leito de morte, o comovente pedido de perdão.
O padre faz a homilia do matrimônio. Elaine enxuga a lágrima de felicidade que rola até o queixo. O casamento do caçula é o coroamento não só da vida até então plena de desventuras, mas da força que identifica a mulher.
Como na cena de filme de horror, lembra de como cuidara do filho mais velho, o Sérgio. Na adolescência o rapaz teve surto psicótico e quebrou parte do barraco onde moravam. A contragosto, internou-o em clínica psiquiátrica do governo, onde permaneceu por dois anos. Certo dia ouviu do médico psiquiatra que a medicina nada poderia fazer para ajudar. Experimentara “doses cavalares” de remédios que nenhum efeito fizeram. Elaine retirou-o da clínica e aos poucos desmamou a medicação do filho. Hoje, Sérgio tem 44 anos e para alimentar depende da mãe.
Aprendeu a trabalhar o ressentimento com o ex-marido, que sempre negou ajudar no sustento dos filhos. Para não dar pensão alimentícia, mesmo após decisão judicial, pediu demissão de emprego público. Mágoa, guarda apenas dos vizinhos que para livrar da presença incômoda de Sérgio, fizeram abaixo assinado. Em defesa dela, veio o prefeito da cidade e a diretora da escola. Após isto, a vida se encarregou de ajudar a mulher a desenvolver a superação. Na época morava na área posteriormente inundada pelo lago da Itaipú Binacional. Com a indenização, pegou os filhos e mudou para Brasília. Não guarda rancor do ex-marido. Sabe que a fez sofrer, mas reconhece a participação importante e nobre, os filhos adorados. Acredita que ele presta contas em outra dimensão, diretamente ao Poder Superior e não o julga.
A saída da igreja, mãe e filho abraçam demoradamente. A emoção só é compreendida por quem conhece.  Gláucio admite dever as conquistas à mãe.
Elaine aprendeu a conviver e acalmar Sérgio. E se cuida, física e mentalmente, ensinando a enfrentar provações, “pra tudo há  saída mesmo nos piores momentos.” E se diverte. Frequenta todos os locais de dança em Brasília. “Quem sabe vejo o carioca, dançarino danado de bom.” Afirma sobre o amigo que vez por outra encontra nos bailes da vida. “Adoro dançar até perder as pernas”.

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