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Conto 2 - Revolução. Faço, quando limpo o aquário.

O apartamento estava imundo. Os móveis com grossa camada de poeira pegajosa. Ao passar a mão no piano, experimentou a sensação de cola nas teclas. Desde a morte de Guilherme, há cinco meses, estivera ausente.
Por alguns momentos, relembrou os acontecimentos daquela tarde. Fora à cozinha preparar o lanche enquanto Gui tomava uma chuveirada antes de retornar à escola de equitação. Trabalharia a noite toda. Após aprontar a refeição, Anita bateu à porta do banheiro uma, duas, três vezes. Chamou-o carinhosamente – “Gui” - várias vezes. Recordou-se de um frio na espinha ao pressentir algo estranho. Forçou a porta e sentiu emperrada. Guilherme costumava deixá-la destrancada. Inúmeras vezes ali faziam amor. A maçaneta estava destravada e a porta não abria. Anita chamou o vizinho e, com dificuldade, abriram uma fresta. Avistaram o corpo caído por trás da porta, vestido com as botas de cavaleiro.
Balançou a cabeça, para livrar-se das recordações. “A vida acaba num instante”. Recolhia as roupas, cheirando a mofo, precisava sair dali. Colocava-as em sacos plásticos separados. Camisas em um, calças em outro e roupas íntimas, cuecas e camisetas num terceiro. Os sapatos não iria doar, acreditava no que sua avô contava, “a alma fica vagando”. Deixou-os em separado. Decidiria mais tarde.
Guilherme morrera de ataque cardíaco. Na ocasião, os negócios estavam cresciam. Recentemente haviam comprado um Centro Hípico e pretendiam ampliar os negócios para o Rio de Janeiro. Guilherme costumava trabalhar até tarde pois treinava a equipe de professores de equitação que seria enviada para a nova filial.
A partir da morte de Guilherme, Anita prostrara-se e todos a aconselhavam a procurar motivação para seguir a vida. A depressão tornara-a uma mulher triste e desesperançada. As amigas tentavam consolá-la, mas a jovem viúva não as ouvia. Por várias ocasiões a apresentaram pretendentes, o que logo A viúva sempre rechaçava, alegando que ninguém substituiria o falecido.
Mas como o tempo é sempre o melhor remédio, ao enfrentar o desafio de retornar ao local onde morava, Anita vislumbrou melhora. Suspirou fundo quando pegou a bota de Gui e pensou até em seguir o projeto do marido, de tocar para frente a escola de equitação carioca.
A campainha tocou. Causou-lhe estranheza, afinal o apartamento estava fechado há meses. “Finalmente encontro alguém em casa”, ouviu do menino ao abrir a porta. Era o entregador da lavanderia que passou os cabides com roupas uma bolsinha de plástico com papéis encontrados nos bolsos. Pagou o rapaz e fechou a porta. Era a roupa que Gui usaria naquela noite, após o banho, caso o coração não lhe tirasse a vida. Um soluço engasgou-lhe a garganta. Ele costumava lavar suas roupas de equitação na lavanderia. Gostava de roupas impecáveis. Deixou-se cair pesadamente na poltrona empoeirada, sem forças. Ainda emocionada, abriu o saco plástico e separou o conteúdo. Um ticket de cartão de crédito, dois botões, a foto de um cavalo e um bilhete com desenhos de coração e o formato de boca feminina feita com um beijo de batom vermelho:
Querido Guilherme
Te espero em meu apartamento logo mais à noite. Venha com a bota de montaria para realizarmos a fantasia da cavalgada.
Até mais, amor
Tua amada egüinha.
Fátima.